Por Deiseany de Moraes Rocha
Advogada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho
INTRODUÇÃO
A recuperação judicial é, para muitos empresários, uma tábua de salvação. Ela permite reorganizar dívidas, preservar empregos e tentar manter o negócio vivo. No entanto, muitos se surpreendem ao descobrir que, mesmo durante esse processo delicado, certas obrigações trabalhistas continuam pesando no caixa da empresa, e entre elas, as multas dos artigos 467 e 477 da CLT.
Você sabia que empresas em recuperação judicial não estão isentas de pagar essas multas? Apesar de a massa falida ter esse benefício, as recuperandas não têm a mesma sorte. Neste artigo, vamos explicar por que isso acontece, o que diz a jurisprudência do TST e como isso pode impactar diretamente o seu planejamento estratégico e financeiro.
O QUE DIZEM OS ARTIGOS 467 E 477 DA CLT?
Antes de entrar nos detalhes jurídicos, é importante compreender o que são essas multas.
Art. 467 da CLT: determina que, em caso de rescisão do contrato de trabalho, se houver verbas incontroversas (ou seja, que a empresa admite dever), e elas não forem pagas na primeira audiência, o valor será acrescido de 50% de multa.
Art. 477 da CLT: prevê o pagamento das verbas rescisórias até 10 dias após o término do contrato. Se houver atraso, incide multa de um salário do empregado.
Estas penalidades têm caráter coercitivo, ou seja, servem para pressionar o empregador a cumprir as obrigações rescisórias de forma ágil e correta.
RECUPERAÇÃO JUDICIAL X FALÊNCIA
É comum empresários e gestores acharem que, estando em recuperação judicial, as penalidades da CLT deixam de ser aplicáveis, como ocorre no caso da massa falida, que está isenta dessas multas pela Súmula 388 do TST.
Contudo, há um entendimento pacificado que essa isenção não se aplica às empresas em recuperação judicial. Assim diz a Súmula 388 do TST, vejamos:
“A massa falida não responde pela multa do artigo 477, § 8º, da CLT, exceto se a falência foi decretada depois do prazo legal para pagamento das verbas rescisórias.”
Ou seja, apenas a massa falida tem isenção. A empresa em recuperação judicial continua responsável pelas multas, ainda que enfrente dificuldades financeiras.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem consolidado o entendimento de que a recuperação judicial não afasta a aplicação das multas previstas nos artigos 467 e 477 da CLT.
Em diversas decisões, os ministros têm enfatizado que a empresa em recuperação mantém suas atividades, seu patrimônio, e sua gestão, portanto não deve se beneficiar de isenções previstas para a falência, cujo regime é mais restritivo.
Exemplo de decisão recente:
“A jurisprudência desta Corte é no sentido de que as penalidades dos arts. 467 e 477, § 8º, da CLT são devidas, mesmo que a empregadora esteja em processo de recuperação judicial.” (TST – RR: 100XXX-XX.2023.5.02.0000)
Essa orientação é coerente com o espírito da recuperação judicial, que visa reequilibrar as contas da empresa sem suspender direitos dos trabalhadores considerados créditos de natureza alimentar e, portanto, prioritários.
POR QUE ISSO É RELEVANTE PARA O EMPRESÁRIO E OS SÓCIOS?
Muitos empresários ingressam com pedido de recuperação judicial acreditando que estarão temporariamente blindados de obrigações imediatas, o que não é verdade quando se trata de passivos trabalhistas.
Ignorar ou postergar o pagamento de verbas rescisórias e das multas correspondentes pode acarretar ações judiciais, multas acumuladas e, inclusive, bloqueios judiciais em momentos críticos.
Além disso, a conduta da empresa durante o processo de recuperação judicial é analisada pelo juiz do processo e pelos credores. O não cumprimento de obrigações trabalhistas pode comprometer o plano de recuperação e até levar à decretação da falência.
ESTRATÉGIA E PREVENÇÃO
Se sua empresa está ou pretende entrar em recuperação judicial, é essencial:
Mapear todos os passivos trabalhistas e incluí-los corretamente no plano de recuperação, como exemplos;
1) Negociar ativamente com ex-empregados, preferencialmente com mediação, para evitar litígios e multas.
2) Manter um fundo de reserva para obrigações trabalhistas, sobretudo verbas rescisórias.
3) Contar com assessoria jurídica especializada, para agir com estratégia e dentro da legalidade.
CONCLUSÃO
A recuperação judicial é uma chance real de reerguer o negócio mas ela não é uma anistia das obrigações trabalhistas. Os tribunais têm sido firmes: as multas dos artigos 467 e 477 da CLT continuam sendo exigíveis, mesmo diante das dificuldades financeiras da empresa.
Para o empresário bem informado, essa realidade deve ser tratada como ponto estratégico: respeitar os direitos dos trabalhadores é uma forma de evitar litígios, preservar a imagem da empresa e aumentar as chances de uma recuperação bem-sucedida.
Ignorar essas multas pode sair muito mais caro do que cumpri-las.
Referências Legislativas e Normativas
• Consolidação das Leis do Trabalho – Decreto Lei nº 5.452/43;
• Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
• Jurisprudências TRT3 e TST
Quer saber mais sobre o assunto? A equipe do Ciatos Jurídico se coloca à disposição para atendimento sobre o tema.