O transporte rodoviário de cargas é um dos pilares da economia brasileira, conectando empresas, produtos e consumidores em todas as regiões do país. Contudo, trata-se de uma atividade exposta a altos riscos – especialmente o roubo de carga, uma realidade tão presente nas estradas nacionais que deixou de ser exceção e passou a ser considerada um risco inerente à atividade.
Nesse cenário, muitos empresários do setor ainda se surpreendem ao não serem indenizados pelas seguradoras ou, pior, ao serem responsabilizados civilmente, mesmo em casos de roubo. Por isso, é urgente compreender as responsabilidades jurídicas do transportador e os cuidados necessários para evitar prejuízos – tanto operacionais quanto legais.
O Risco do Roubo de Carga e a Teoria do Fortuito Interno
A jurisprudência atual caminha para um entendimento cada vez mais claro: o roubo de carga não é mais considerado caso fortuito ou força maior, pois se trata de um evento previsível e recorrente. Portanto, trata-se do chamado fortuito interno, que não rompe o nexo de causalidade e não afasta a responsabilidade do transportador.
Como explica a doutrina moderna e reforça o artigo 393 do Código Civil, o fortuito interno é aquele inerente à própria atividade do transportador. O transportador pode até não querer que o roubo ocorra, mas sabe que ele pode acontecer – e deve se preparar para isso.
O Seguro RC-DC: Obrigatório, Estratégico e de Responsabilidade
Com a entrada em vigor da Lei nº 14.599/2023, o cenário jurídico do transporte rodoviário de cargas sofreu um impacto significativo: o Seguro de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário por Desaparecimento de Carga (RC-DC), antes facultativo, passou a ser obrigatório. Essa mudança normativa não é apenas burocrática — ela traduz uma visão moderna e objetiva sobre o risco empresarial que envolve o transporte de mercadorias no Brasil.
Roubo de carga: risco previsto, seguro obrigatório
O principal fundamento da obrigatoriedade do RC-DC está na constatação de que o roubo de carga não é mais uma anomalia, mas sim um fenômeno rotineiro, previsível e estatisticamente frequente nas operações logísticas nacionais. Logo, se o risco é previsível e inerente à atividade, o dever de se precaver por meio de seguro é lógico, necessário e, agora, legalmente exigido.
A finalidade do RC-DC é proteger financeiramente o transportador, ressarcindo o prejuízo sofrido em caso de roubo ou desaparecimento da carga. Mas ele também tem um efeito sistêmico importante: redistribui os riscos da atividade econômica, contribuindo para a estabilidade do setor logístico e a proteção da cadeia de suprimentos.
O que cobre o seguro RC-DC?
De maneira geral, o seguro RC-DC cobre:
- Roubo ou furto qualificado da carga durante o transporte;
- Desaparecimento do veículo com a carga;
- Perdas totais ou parciais, dependendo das condições contratadas;
- Ações de regresso por parte da seguradora contra o transportador (caso ele tenha contribuído para o evento por negligência).
Contudo, a cobertura efetiva depende do cumprimento das condições contratuais e dos requisitos operacionais, principalmente o Plano de Gerenciamento de Riscos (PGR).
A exigência do Plano de Gerenciamento de Riscos (PGR)
É aqui que mora o maior desafio jurídico e prático: ter o seguro não é suficiente. Para que a apólice tenha validade e gere direito à indenização, o transportador deve cumprir integralmente o PGR, elaborado pela seguradora com base nas características do transporte, tipo de carga, rota, grau de exposição ao risco, valor da mercadoria e outros critérios técnicos.
Esse plano pode incluir:
- Escolta armada obrigatória para cargas sensíveis;
- Proibição de parada em locais não autorizados;
- Rastreadores com monitoramento em tempo real;
- Rotas pré-definidas e não alteráveis;
- Comunicação constante com a central de controle;
- Horários específicos de circulação;
- Verificação do histórico dos motoristas.
Descumprir qualquer um desses pontos — mesmo que por falha operacional mínima — pode acarretar a perda do direito à indenização, além de gerar responsabilidade civil do transportador perante o dono da carga e, eventualmente, perante a própria seguradora, em caso de regresso.
PGR como instrumento jurídico: não é só logística, é direito
Embora pareça apenas um checklist operacional, o PGR tem força jurídica vinculante, pois integra o contrato de seguro e o contrato de transporte. Assim como cláusulas contratuais, seus itens são obrigatórios, auditáveis e passíveis de fiscalização, tanto pela seguradora quanto em eventual processo judicial.
Ou seja: o PGR deixa de ser uma recomendação e passa a ser um dever legal e contratual, com implicações diretas no êxito (ou não) de ações de indenização, regresso ou defesas judiciais em sinistros.
A responsabilidade objetiva do transportador e o PGR como escudo (ou armadilha)
O transportador responde objetivamente pelos danos decorrentes do desaparecimento da carga, nos termos do art. 749 do Código Civil. Isso significa que não é necessário provar culpa — basta que o dano exista e esteja ligado à prestação do serviço.
Contudo, o PGR é, ao mesmo tempo:
- Um escudo, quando bem cumprido, pois demonstra zelo, diligência e conformidade com os padrões esperados;
- Uma armadilha, quando negligenciado, pois configura agravamento do risco e pode gerar culpa presumida.
Assim, a gestão de risco jurídica é tão importante quanto a operacional. O cumprimento do PGR precisa estar documentado, com relatórios, checklists, registros de GPS, certificados de monitoramento e demais evidências que possam sustentar a defesa do transportador ou o acionamento da seguradora.
Negativa de sinistro: cada vez mais frequente
A negativa de sinistro, infelizmente, tem se tornado uma realidade comum. Muitos transportadores acreditam que estão seguros, mas perdem a indenização por detalhes: parada em local indevido, rota alterada sem autorização, falha de comunicação, ausência de rastreamento em tempo real etc.
Nesses casos, a atuação de um jurídico especializado é fundamental para contestar a negativa, exigir o cumprimento do contrato por parte da seguradora, ou defender o transportador em ações de regresso.
Mais do que obrigatório, o RC-DC é uma ferramenta estratégica de gestão de risco
A obrigatoriedade do seguro RC-DC não deve ser vista como um custo a mais, mas sim como um mecanismo indispensável de proteção ao negócio.
Entretanto, ele só é eficaz se estiver amparado por um cumprimento rigoroso do Plano de Gerenciamento de Riscos e por um assessoramento jurídico constante, tanto na contratação quanto na regulação de sinistros.
A Jurisprudência e a Imputação de Responsabilidade
Tribunais de todo o país têm reconhecido que o transportador responde objetivamente pelos prejuízos causados por roubo, salvo se comprovar que adotou todas as medidas razoavelmente esperadas para evitar o evento.
É o que consagra o Enunciado 15 do TJ/SP:
“No roubo de carga objeto de contrato de transporte terrestre, é cabível o direito de regresso, se assim o autorizam as circunstâncias fáticas, ainda que exista cláusula de renúncia pela seguradora nas hipóteses em que houve agravamento do risco ou culpa do transportador.”
Ou seja, não basta alegar que houve roubo. O transportador precisa comprovar diligência extrema. Em caso contrário, poderá ser responsabilizado e ainda perder a cobertura do seguro contratado.
A Regulação de Sinistro: O Elemento Decisivo na Defesa e no Ressarcimento
No contexto do transporte rodoviário de cargas, a regulação de sinistro deixou de ser apenas um procedimento administrativo e passou a ocupar papel central na estratégia jurídica de proteção patrimonial — tanto para seguradoras quanto para transportadores.
Trata-se de uma etapa crítica, capaz de definir o rumo de um processo judicial e o desfecho financeiro de um evento de roubo ou desaparecimento de carga.
Uma regulação bem conduzida, com documentação técnica minuciosa, cronologia fática clara, registros de monitoramento e comprovação do cumprimento integral do Plano de Gerenciamento de Riscos (PGR), é o que diferencia uma negativa de indenização de um ressarcimento justo.
Para o transportador, isso significa que não basta contratar o seguro: é preciso atuar com inteligência desde o momento do sinistro, garantindo que todas as evidências, comunicações e ações estejam formalizadas e juridicamente válidas. Cada detalhe documentado pode ser o divisor de águas entre a responsabilização ou a isenção, entre o prejuízo total ou a proteção do patrimônio.
Assim, a regulação de sinistro precisa ser tratada como uma ferramenta jurídica estratégica, e não apenas como um procedimento burocrático. É nela que se constrói — ou se compromete — a narrativa técnica e jurídica que sustentará qualquer ação futura.
Na Ciatos Jurídico, conduzimos ou assessoramos nossos clientes durante todo o processo de regulação de sinistro, garantindo que ele seja sólido, bem fundamentado e juridicamente eficaz, com foco em maximizar as chances de indenização e resguardar os direitos do transportador.
O Papel da Ciatos Jurídico
Na Ciatos Jurídico, atuamos com especialização técnica em direito dos transportes e direito securitário. Temos ampla experiência em casos de negativa indevida de indenização securitária, bem como em defesa estratégica de transportadores rodoviários, tanto no âmbito consultivo quanto contencioso.
Se sua empresa teve um sinistro recusado, ou precisa estruturar protocolos jurídicos e de risco para evitar responsabilidades, fale conosco.
Nosso time é especializado em responsabilidade civil de transportadoras, regulação de sinistros e litígios com seguradoras.
Prevenir é Melhor que Indenizar
Em um mercado cada vez mais regulado, com jurisprudência evoluindo no sentido da responsabilização do transportador e obrigatoriedade do seguro RC-DC, é fundamental que o empresário:
- Esteja atento aos requisitos legais e contratuais do transporte de carga;
- Implemente tecnologias e planos de risco eficazes;
- Contrate advogados especializados para prevenir e atuar em litígios;
- Mantenha registros detalhados de todas as etapas do transporte;
- Nunca confie que o seguro sozinho resolverá o problema.
Na dúvida, a Ciatos Jurídico está pronta para te orientar e defender seus direitos.